Distribuição Desproporcional de Lucros em Sociedades Profissionais: O Que Todo Empresário Precisa Saber

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Distribuição Desproporcional de Lucros em Sociedades Profissionais: O Que Todo Empresário Precisa Saber

Imagine o seguinte cenário: dois sócios, ambos médicos, criam uma sociedade simples para prestar serviços médicos. Cada um detém 50% das quotas. No entanto, um deles atende 80% dos pacientes e o outro apenas 20%. Seria justo que ambos recebessem os mesmos lucros?

Essa é a essência da discussão sobre distribuição desproporcional de lucros: permitir que os lucros da sociedade sejam repartidos não apenas conforme a participação societária formal, mas segundo o esforço real de trabalho de cada sócio. E, sim, isso é possível, legal e legítimo — desde que feito com planejamento, critérios claros e transparência.

Neste artigo, vamos explicar por que isso é permitido, quais cuidados jurídicos e contábeis são essenciais e como evitar problemas com a Receita Federal.

O que é uma Sociedade Simples Uniprofissional (SUP)?

É o modelo mais comum entre profissionais liberais — médicos, advogados, contadores, arquitetos, psicólogos — que se reúnem em uma estrutura formal para exercer suas atividades. Diferente de uma empresa com foco comercial, a essência da SUP é o trabalho intelectual e direto dos próprios sócios.

Ou seja, o “valor” da empresa está no conhecimento, na reputação e no atendimento técnico pessoal. Por isso, não faria sentido remunerar todos os sócios da mesma forma se um deles trabalha três vezes mais do que o outro.

A Lei Permite a Distribuição Desproporcional de Lucros?

Sim! O Código Civil (art. 1.007) autoriza expressamente que os sócios combinem a repartição dos lucros de forma diferente da proporção das quotas, desde que isso esteja previsto no contrato social ou em ata assinada por todos os sócios.

Esse é um ponto central: sem previsão contratual clara, a Receita Federal pode entender que você está mascarando remuneração como lucro — e autuar a empresa com cobrança de impostos e contribuições sociais.

O que diz a Receita Federal?

A Receita ainda insiste em olhar com desconfiança essa prática. Segundo o Fisco, quando a distribuição de lucros é feita com base no volume de trabalho de cada sócio (e não nas quotas), isso poderia ser entendido como “pró-labore disfarçado”, sujeito a INSS e IRRF.

Por isso, autuações têm acontecido. Mas a boa notícia é que a jurisprudência — incluindo o STJ e o Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) — tem reconhecido a legalidade da prática, desde que atendidos alguns critérios objetivos. Vamos a eles.

Quais os cuidados para evitar problemas?

Os cuidados que os empresários devem obter, para evitar autuações e problemas com o fisco, são:

1. Previsão no contrato social
A cláusula que autoriza a distribuição desproporcional de lucros deve estar expressamente prevista. Se a regra for definida em ata, todos os sócios devem assinar.

2. Critério claro e documentado
Defina como será medida a contribuição de cada sócio: número de atendimentos, horas trabalhadas, produção intelectual etc.

3. Contabilidade regular e auditável
A empresa precisa ter contabilidade formal e organizada. Distribuições precisam estar fundamentadas nos lucros apurados contabilmente.

4. Sócios de fato
Não se pode distribuir lucros para quem não é sócio. E nem ultrapassar o lucro efetivamente apurado no exercício.

Exemplo prático

Imagine uma clínica odontológica com 3 sócios: A (50%), B (30%) e C (20%). No ano, a clínica lucra R$ 600 mil. Mas B realizou 60% dos atendimentos. O contrato prevê que, para fins de lucros, será considerado o volume de serviços.

Resultado:

  • A recebe 20% dos lucros (R$ 120 mil)
  • B recebe 60% (R$ 360 mil)
  • C recebe 20% (R$ 120 mil)

Mesmo que isso não coincida com as quotas societárias, a distribuição é válida e protegida juridicamente — se tudo estiver documentado.

A jurisprudência respalda essa prática?

Sim, amplamente. O próprio STJ já reconheceu que as sociedades simples exercem atividade econômica e que a distribuição desproporcional é parte natural da dinâmica dessas organizações.

O Carf (tribunal administrativo da Receita) também já confirmou, em dezenas de decisões, que a distribuição proporcional ao trabalho é válida, desde que:

  • esteja prevista no contrato social;
  • os lucros estejam devidamente apurados;
  • os beneficiários sejam sócios;
  • haja transparência contábil.

O que você não pode fazer:

  • Distribuir lucros sem contabilidade formal;
  • Fazer pagamentos a quem não é sócio;
  • Alterar regras durante o exercício sem aprovação dos sócios;
  • Omitir essas decisões em documentos societários ou atas.

Esses deslizes podem transformar um planejamento inteligente em autuações pesadas e dor de cabeça jurídica.

Conclusão: autonomia com responsabilidade

A legislação brasileira reconhece e protege a liberdade dos profissionais em se organizar e remunerar de forma justa, respeitando o esforço individual de cada um.

Mas essa liberdade exige cautela, técnica e assessoria qualificada.

Se você é empresário ou gestor de uma sociedade profissional e deseja adotar (ou já adota) a distribuição desproporcional de lucros, é fundamental contar com assessoria jurídica e contábil especializada.

Com orientação adequada, é possível remunerar com justiça, reduzir carga tributária e proteger o negócio de riscos fiscais — com segurança jurídica e tranquilidade.