DOAÇÃO DO BEM DE FAMÍLIA PARA FILHO NÃO É FRAUDE À EXECUÇÃO FISCAL: UMA ANÁLISE DO ENTENDIMENTO DO STJ
No universo do direito, poucos temas são tão delicados e de extrema importância quanto a proteção do bem de família. Uma recente decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reafirmou um importante entendimento neste contexto: a alienação de um imóvel familiar para um filho do devedor não configura fraude à execução fiscal. Este artigo busca esclarecer e analisar esta decisão, fundamentando-se no caso julgado pela 1ª Turma do STJ no AREsp 2.174.427.
A proteção do bem de família é assegurada pela Lei 8.009/1990, que estabelece a impenhorabilidade do imóvel que serve como residência para o devedor e sua família. Essa proteção legal tem como objetivo garantir o direito fundamental à moradia, evitando que famílias sejam desalojadas devido a dívidas.
No caso em questão, após ser citado em uma execução fiscal, um devedor transferiu seu imóvel residencial para seu filho. O juízo de primeiro grau manteve a impenhorabilidade do bem, mas o Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2) reformou a decisão. O TRF-2 entendeu que a proteção da impenhorabilidade não se justifica quando há uma transferência de bens dentro da própria família, visando a proteção patrimonial.
Contudo, o STJ, ao analisar o recurso, reafirmou seu entendimento de que a impenhorabilidade do bem de família é mantida mesmo nesse contexto de transferência para um descendente.
O ministro Gurgel de Faria, relator da matéria, ressaltou que as duas turmas de Direito Público do STJ sustentam a posição de que a impenhorabilidade é inalterada pela transferência do imóvel residencial, reforçando a imunidade deste bem aos efeitos da execução fiscal. Essa interpretação se alinha ao princípio da proteção familiar, evitando que uma interpretação restritiva da lei resulte na perda da moradia da família do devedor. Ademais, a decisão enfatiza a importância de preservar o bem de família como um reduto de segurança e estabilidade para os entes familiares.
A decisão do STJ tem implicações significativas. Primeiramente, ela reforça a segurança jurídica em torno da proteção do bem de família, garantindo que a finalidade da lei seja cumprida. Além disso, evita-se que interpretações divergentes entre diferentes instâncias judiciais levem a insegurança e desamparo de famílias.
Embora a decisão seja louvável em sua intenção de proteger a moradia familiar, ela também abre espaço para críticas. Um dos pontos de debate é a possibilidade de que devedores utilizem essa proteção de forma estratégica para blindar seu patrimônio contra credores. Esse aspecto demanda um equilíbrio delicado entre a proteção da família e a garantia de efetividade na execução de dívidas.
A decisão do STJ no caso AREsp 2.174.427 representa um importante marco na proteção do bem de família no Brasil. Ela reafirma que a alienação do imóvel residencial para um filho do devedor não constitui fraude à execução fiscal, fortalecendo a segurança jurídica e a proteção da moradia familiar. Contudo, é necessário permanecer atento às possíveis implicações dessa interpretação, garantindo que o direito à moradia seja preservado sem que haja abusos na proteção patrimonial.