Projeto de Lei do IRPF: Justiça Tributária ou Inconstitucionalidade à Vista?
Em março de 2025, o Governo Federal enviou ao Congresso o Projeto de Lei nº 1.087/2025, trazendo uma proposta aguardada há décadas: a correção da tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF). Segundo o projeto, ficariam isentos de IR aqueles que ganham até R$ 5 mil por mês, e haveria descontos progressivos até a faixa de R$ 7 mil.
À primeira vista, a medida parece um avanço — e de fato é. Muitos brasileiros se veem sobrecarregados por um sistema que, sem correções pela inflação, acaba cobrando mais de quem ganha menos. Só que junto com esse alívio, o projeto traz um elemento polêmico e possivelmente inconstitucional: a nova tributação sobre dividendos remetidos ao exterior.
E é aqui que mora o problema.
Entendendo a proposta: o que está no PL 1.087/25
O projeto propõe que dividendos pagos a pessoas no exterior sejam tributados na fonte à alíquota de 10%. Essa cobrança incidiria sobre lucros remetidos a qualquer beneficiário fora do país — seja pessoa física ou jurídica.
A justificativa? Compensar a perda de arrecadação com a nova faixa de isenção para os brasileiros.
Mas quando olhamos mais de perto, percebemos um desequilíbrio preocupante no tratamento entre residentes no Brasil e não-residentes.
Dois pesos, duas medidas: onde está a isonomia?
Imagine a seguinte situação:
Cenário 1 – Contribuinte Brasileiro:
Joana, residente no Brasil, recebe R$ 49 mil em dividendos no mês, vindos de duas empresas diferentes: R$ 24.500 de uma, R$ 24.500 de outra.
Resultado? Não será retido nenhum imposto.
Cenário 2 – Contribuinte Estrangeiro:
Lucas, brasileiro que mora em Portugal, recebe os mesmos R$ 49 mil em dividendos de duas empresas no Brasil.
Resultado? Retenção de 10% de IR na fonte, mesmo sem ultrapassar nenhum limite.
Esse tratamento desigual para situações equivalentes esbarra em princípios constitucionais básicos, como o da isonomia tributária, da capacidade contributiva e da proporcionalidade.
O artigo 150, inciso II, da Constituição Federal, é claro ao vedar tratamento desigual entre contribuintes que se encontram em situação equivalente. Isso significa que não se pode penalizar quem mora fora do país apenas por esse fato, se ele se encontra em situação idêntica à de alguém residente.
E como o estrangeiro saberá se pode recuperar esse imposto?
A proposta até menciona a possibilidade de crédito tributário ao beneficiário estrangeiro quando a empresa brasileira pagadora tiver sido tributada acima de 34% no IRPJ + CSLL.
Mas… como o estrangeiro vai comprovar isso?
Isso exigiria que ele:
- Acesse informações fiscais complexas da empresa brasileira;
- Compreenda as nuances do sistema tributário brasileiro;
- Tenha domínio técnico e acesso contábil — algo distante da realidade da maioria dos investidores internacionais.
Além disso, o projeto não deixa claro se haverá restituição ou compensação futura, o que cria ainda mais insegurança jurídica
Risco de dupla tributação e fuga de capitais
Em tese, países com acordos de bitributação assinados com o Brasil poderiam mitigar esse impacto por meio de “matching credits” (mecanismos de compensação).
Mas e os países que não têm acordos em vigor?
Nesse caso, o investidor pode sofrer bitributação real, pagando imposto aqui e no país de residência, sem nenhum abatimento.
O resultado? Desestímulo ao investimento estrangeiro, fuga de capitais e perda de competitividade internacional do Brasil como destino de dividendos.
O STF já decidiu algo parecido… e foi contra a cobrança!
Não é a primeira vez que o Brasil tenta tributar de maneira desigual os não-residentes.
Em caso semelhante (Tema 1.174), o Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional o artigo 7º da Lei 9.779/99, que previa alíquota de 25% de IR na fonte sobre aposentadorias e pensões remetidas ao exterior.
A Corte entendeu que:
- A tributação desproporcional fere a progressividade;
- O princípio da isonomia não pode ser ignorado;
- O fato de o contribuinte estar fora do país não justifica tratamento fiscal mais oneroso.
Ou seja, o precedente existe — e é forte.
Conclusão: uma proposta justa com um vício perigoso
O reajuste da tabela do IR é um passo necessário.
Mas não se pode consertar uma injustiça criando outra.
Tributar de forma mais pesada quem mora no exterior, sem critérios claros, sem segurança jurídica e sem igualdade de tratamento, é abrir caminho para a inconstitucionalidade.
A expectativa é que o Congresso ajuste esse ponto durante a tramitação do projeto. Caso contrário, a matéria acabará no Judiciário — e o Brasil, mais uma vez, enfrentará uma enxurrada de ações tributárias desnecessárias.
Fique atento. E, se for investidor ou empresário com relações internacionais, busque orientação profissional com o Time de Tributaristas da Ciatos.
Na dúvida, conte conosco para interpretar e aplicar essas mudanças com segurança e estratégia.