RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA DOS SÓCIOS: DESMITIFICANDO A SOLIDARIEDADE E A SUBSIDIARIEDADE NA JURISPRUDÊNCIA E NA LEGISLAÇÃO
A responsabilidade tributária dos sócios no contexto empresarial brasileiro é tema de constante debate e revisão jurisprudencial. Frequentemente, empresas enfrentam dificuldades financeiras que acarretam atrasos ou inadimplência no pagamento de tributos. Nesses casos, a legislação tributária e as decisões judiciais se entrelaçam para definir os contornos da responsabilidade dos sócios pelos débitos fiscais das empresas.
Este artigo, elaborado com base em parecer do tributarista Kiroshi Harada, busca clarificar como a dissolução irregular da sociedade empresária não gera obrigação principal e, ainda assim, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) pode responsabilizar os sócios pelo pagamento de tributos preexistentes.
Contexto Legal da Responsabilidade Tributária
O Código Tributário Nacional (CTN) prevê, em seus artigos 134 e 135, as situações em que os sócios podem ser responsabilizados pelos débitos tributários de uma pessoa jurídica. O artigo 134 trata da responsabilidade solidária, enquanto o artigo 135 foca na responsabilidade pessoal por atos com excesso de poderes ou infração à lei, contrato social ou estatutos.
Por sua vez, o artigo 124 do CTN estabelece que a solidariedade não permite o benefício de ordem, ou seja, cada um dos devedores solidários pode ser acionado para o pagamento integral da dívida, sem que possa exigir que o fisco cobre primeiro os demais devedores.
A Solidariedade Segundo o CTN e a Jurisprudência
A jurisprudência tem aplicado, com regularidade, a responsabilidade solidária de maneira objetiva, sem necessariamente investigar a conduta individual do sócio relacionada ao débito fiscal. No entanto, essa prática tem sido questionada pela doutrina, que aponta a necessidade de haver uma relação causal entre a atuação do sócio e o surgimento da obrigação tributária. É de extrema importância compreender que a responsabilidade do sócio, nos termos do artigo 134, está condicionada à impossibilidade de exigir o cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte. Assim, em tese, seria necessária a cobrança prévia da empresa antes de se responsabilizar o sócio.
Este ponto reforça a natureza subsidiária da responsabilidade no art. 134, em contraste com a solidariedade plena descrita pelo art. 135 para atos praticados com excesso de poderes.
Equívocos Comuns na Atribuição de Responsabilidade aos Sócios
Apesar da clareza dos dispositivos legais, observa-se uma tendência dos tribunais de imputar responsabilidade aos sócios independentemente de terem agido com excesso de poderes ou infração de lei. Este entendimento desconsidera a necessidade de uma ligação direta entre a ação do sócio e o inadimplemento tributário.
O equívoco se intensifica no cenário de dissolução irregular das empresas. O STJ vem considerando que a mera existência de dissolução irregular é suficiente para transferir aos sócios a responsabilidade pelos tributos devidos pela pessoa jurídica, desconsiderando que tal fato não constitui, per se, um ato com excesso de poderes ou infração à lei, mas sim uma consequência da inobservância de procedimentos legais para a extinção da empresa.
A Dissolução Irregular e a Responsabilidade dos Sócios
A dissolução irregular de uma sociedade não é um fato gerador de obrigação tributária principal, mas pode ensejar a responsabilização dos sócios por dívidas tributárias preexistentes sob a alegação de que dificulta a cobrança por parte do fisco.
Todavia, a simples ausência de liquidação regular não deveria, automaticamente, acarretar tal responsabilidade, a menos que haja nexo causal entre a conduta do sócio e o débito fiscal.
O artigo 135 do CTN, frequentemente invocado para justificar a responsabilização dos sócios, não deveria ser aplicado a débitos preexistentes que não resultaram de atos ilícitos dos sócios, mas sim decorrentes da própria atividade empresarial regular, que posteriormente se tornou irregular por outros fatores.
Princípios para a Responsabilização dos Sócios
Para que haja uma aplicação justa da responsabilidade tributária dos sócios, devem ser observados alguns princípios:
- Clareza Legislativa: A legislação deve ser interpretada com clareza, evitando a responsabilização indiscriminada de sócios por dívidas das quais não participaram ou contribuíram diretamente.
- Ação e Omissão: Deve-se distinguir entre atos comissivos (ações) e omissivos (ausência de ação), associando a responsabilidade dos sócios somente àqueles atos que efetivamente contribuíram para a ocorrência do fato gerador tributário.
- Benefício de Ordem: Na responsabilidade solidária prevista no art. 134, a cobrança deveria respeitar a sequência lógica: primeiro o contribuinte (empresa), depois os sócios, se aplicável.
- Causalidade: A responsabilização dos sócios deve ter como fundamento a existência de um vínculo causal entre a ação/omissão do sócio e a geração do crédito tributário.
Conclusão
O debate sobre a responsabilidade tributária dos sócios no Brasil evidencia a necessidade de uma aplicação mais criteriosa e justa das normas tributárias. A dissolução irregular da sociedade, por si só, não deve ser suficiente para atribuir aos sócios a obrigação de saldar dívidas fiscais, salvo quando houver comprovação de atos com excesso de poderes ou infração legal diretamente relacionados com a inadimplência tributária.
Uma interpretação sistemática e harmônica do CTN, em consonância com os princípios do direito privado e do direito tributário, é fundamental para evitar injustiças e garantir que a tributação seja um instrumento de justiça fiscal e não de punição desproporcional. Assim, é imperativo que o judiciário, os advogados tributaristas, e a administração tributária mantenham uma postura equilibrada e conforme aos preceitos legais e jurisprudenciais para a responsabilização dos sócios.