Prescrição Intercorrente: Mudanças com a Lei nº 14.195/2021
A prescrição intercorrente sempre foi um tema polêmico no Direito Processual brasileiro. Essa figura jurídica trata do prazo em que uma execução judicial pode ser extinta por falta de movimentação, o que é importante para o sucesso dos processos de execução. Com a entrada em vigor da Lei nº 14.195, em 26 de agosto de 2021, novas regras foram estabelecidas, visando trazer clareza e eliminar as incertezas que envolviam o instituto da prescrição intercorrente.
O Que Mudou com a Lei 14.195/2021?
Antes da reforma trazida pela Lei 14.195/21, a prescrição intercorrente surgia devido à inércia da parte interessada, isto é, o prazo começava a ser contado quando o processo ficava parado por culpa do interessado.
A aplicação desse critério era subjetiva, pois dependia da interpretação de cada Tribunal, o que causava insegurança jurídica.
Além disso, havia questionamentos sobre a responsabilidade do Judiciário nos casos de prescrição intercorrente, já que a paralisação do processo nem sempre é por culpa da parte interessada.
No entanto, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) editou a Súmula 106, afirmando que a parte não deveria ser prejudicada pela falta de movimentação do processo por parte do Judiciário. Mesmo assim, a falta de clareza sobre os critérios de aplicação ainda gerava incertezas.
Principais Alterações Trazidas pela Nova Lei
A Lei 14.195/21 trouxe uma abordagem mais objetiva, alterando os requisitos para a aplicação da prescrição intercorrente.
Agora, a inércia da parte interessada deixa de ser um requisito. Em vez disso, o foco está em sanar uma crise processual, que pode ser causada pela dificuldade de localização do devedor ou de bens passíveis de penhora.
Os novos critérios estipulam que:
- A execução só será suspensa se houver uma tentativa frustrada de localização do devedor ou de bens. A partir da primeira tentativa sem sucesso, o processo é suspenso por um ano.
- Após o término desse período de suspensão, inicia-se automaticamente o prazo de prescrição intercorrente, que pode variar conforme o tipo de crédito em questão.
Essa nova sistemática reduz a subjetividade, pois retira do Judiciário o poder de interpretação individual, trazendo mais segurança para o andamento dos processos.
Aplicação da Nova Lei a Processos Anteriores
A aplicação das novas regras da Lei nº 14.195/2021 aos processos que já estavam em andamento antes da sua entrada em vigor, em 26 de agosto de 2021, exige uma análise cuidadosa. Esses casos precisam ser tratados de forma híbrida, combinando os critérios anteriores e as novas diretrizes trazidas pela legislação atual.
Um processo iniciado antes de 26 de agosto de 2021 seguia a regra antiga, que se baseava na inércia da parte interessada como fator determinante para a prescrição intercorrente. Ou seja, se a execução não avançava por culpa da parte interessada — por exemplo, se o credor deixava de praticar atos necessários para impulsionar o processo — a prescrição intercorrente poderia ser iniciada.
Com a nova lei, o foco mudou para a crise processual, que inclui dificuldades em localizar o devedor ou encontrar bens passíveis de penhora. Agora, a prescrição intercorrente ocorre independentemente da inércia, com novos prazos e condições estabelecidos para garantir mais clareza.
Para os processos em andamento que foram afetados pela mudança, o “olhar híbrido” significa observar tanto a inércia da parte interessada nos atos processuais antes de 26 de agosto de 2021, quanto as novas regras de crise processual a partir da data de vigência da lei.
Para os atos praticados até 25 de agosto de 2021:
- Aplica-se o critério anterior, que considerava a inércia da parte interessada. Por exemplo, se o credor não tomou providências para avançar com a execução, isso pode configurar a prescrição intercorrente conforme as regras antigas.
- A contagem do prazo de prescrição intercorrente depende de uma análise subjetiva, pois cabia ao juiz avaliar a inércia.
Para os atos praticados a partir de 26 de agosto de 2021:
- A aplicação da prescrição intercorrente deve seguir as novas diretrizes da Lei nº 14.195/2021. Neste caso, o processo de execução é suspenso por um ano após a primeira tentativa frustrada de localizar o devedor ou de bens passíveis de penhora.
- Findo o período de suspensão de um ano, o prazo da prescrição intercorrente começa a contar automaticamente, conforme a natureza do crédito exequendo, sem que se leve em conta a inércia da parte interessada.
Interpretação Temporal:
- A lei não especifica um prazo de transição para os processos iniciados antes de sua vigência, o que demanda cautela na interpretação.
- Advogados e juízes precisam considerar as duas fases de aplicação: a fase da inércia antes da lei e a fase da crise processual após a nova lei, garantindo que as medidas adotadas sejam adequadas para evitar alegações de prescrição indevidas.
Os profissionais do direito devem estar cientes dessas mudanças para garantir que nenhum processo em andamento sofra com a insegurança jurídica. O não cumprimento adequado dos critérios antigos e novos pode gerar discussões e litígios adicionais, especialmente sobre a aplicação retroativa ou prospectiva da norma. A atenção a essa transição é essencial para que advogados e juízes apliquem a lei de maneira correta e justa.
Em resumo, o “olhar híbrido” é uma prática essencial para garantir a conformidade com as novas regras e para evitar que processos iniciados antes da Lei nº 14.195/2021 sofram impactos negativos devido à falta de clareza na transição normativa. Essa análise dupla requer não apenas o entendimento das regras antigas e novas, mas também uma aplicação cuidadosa dos prazos e critérios de cada etapa do processo.
Conclusão
A Lei nº 14.195/2021 trouxe clareza e uniformidade à prescrição intercorrente, mas sua aplicação requer atenção especial. Advogados e juízes devem estar cientes das nuances temporais e das novas formalidades estabelecidas para evitar insegurança jurídica. Em última análise, as mudanças visam garantir maior segurança e previsibilidade para as partes envolvidas, proporcionando uma melhor aplicação do instituto da prescrição intercorrente.