Como Fica a Tributação dos Ganhos no Exterior? Uma Crônica Tributária do Brasil Globalizado
Era uma vez um cidadão brasileiro que decidiu investir no exterior. Ele não roubou, não fraudou, não escondeu. Apenas transferiu parte do seu patrimônio para fora do país, em busca de segurança, retorno financeiro ou até mesmo diversificação patrimonial. Uma decisão legítima — afinal, não somos livres para aplicar onde quisermos?
Por muitos anos, esse brasileiro viveu com uma tranquilidade relativa. A renda que obtinha lá fora — seja por aplicações financeiras, lucros de empresas estrangeiras ou dividendos — estava, na prática, livre de tributação, respeitando-se o princípio da territorialidade, que limita o poder de tributar aos fatos geradores ocorridos dentro do país.
Mas essa paz foi quebrada com a publicação da Lei 14.754/2023, sancionada sob o discurso de justiça fiscal e combate à evasão. Seu conteúdo é claro: os ganhos auferidos no exterior por pessoas físicas residentes no Brasil estão sujeitos ao Imposto de Renda, com alíquotas progressivas que variam de 0% a 22,5%, conforme os seguintes parâmetros:
- 0% para rendas anuais até R$ 6.000,00
- 15% para rendas entre R$ 6.000,01 e R$ 50.000,00
- 22,5% para rendas acima de R$ 50.000,00
A medida não é exatamente nova. Antes dela, a MP 1.171/23 havia tentado implantar algo semelhante. Mas, como toda MP que encontra resistência constitucional e política, caducou. O Congresso simplesmente não quis levar adiante o projeto. E então, como um espectro reincidente, a tributação renasceu, agora com força de lei.
A Justificativa e a Crítica
O governo defende que a tributação segue o chamado princípio da universalidade da renda, também conhecido como princípio da renda mundial, segundo o qual deve-se tributar o contribuinte com base em toda a sua renda, esteja ela onde estiver.
A intenção, segundo o discurso oficial, é evitar que grandes investidores transfiram seus capitais para paraísos fiscais, prejudicando o erário nacional. “Vamos tributar quem tem mais”, dizem. Mas na prática, o que se vê é uma violação frontal ao princípio constitucional da territorialidade e o risco evidente de bitributação — ou pior: puritributação, quando a mesma renda é tributada duas ou mais vezes por países diferentes, sem qualquer compensação.
E mais: essa nova tributação não surge em um vácuo. Ela aparece num contexto de expansão desenfreada dos gastos públicos. O mesmo governo que herdou um superávit de R$ 650 milhões conseguiu cavar um rombo de R$ 230,5 bilhões em seu primeiro ano, equivalente a 2,12% do PIB. Um verdadeiro feito de ineficiência fiscal.
A Falácia do Combate à Evasão
Ao invés de reduzir tributos, simplificar o sistema e fomentar o crescimento, o Brasil adota a política do “tribute mais antes que acabe”. Uma filosofia míope que não entende que é pela redução da carga tributária e pela melhora dos serviços públicos que se atrai investimento, se estimula a economia e se gera mais arrecadação — e não o contrário.
A renda mundial, na prática, fere o direito do cidadão de escolher onde aplicar seu dinheiro. O investidor que aplica fora do país não o faz por malícia. Ele o faz por estratégia, segurança e, muitas vezes, por desilusão com a carga tributária interna que consome mais da metade do valor de bens e serviços.
A Saída: Tratados Internacionais
A única saída para evitar a bitributação é recorrer aos tratados de não bitributação, firmados entre o Brasil e outros países. De acordo com o art. 98 do CTN, tais tratados têm força superior à legislação interna.
Mas há um problema: o Brasil mantém tratados dessa natureza com apenas 24 países, conforme o Ato Declaratório Cosit nº 31/1998. E entre eles, não estão os Estados Unidos — justamente onde a maioria dos brasileiros concentra suas aplicações no exterior.
Portanto, a renda auferida nos EUA está sujeita à tributação dupla, uma vez lá, outra vez aqui. O que era para ser um incentivo à internacionalização dos investimentos vira um desestímulo à iniciativa privada e uma afronta à segurança jurídica.
Conclusão: A Lógica da Inversão
Vivemos em um país onde se pune o mérito, se tributa a estratégia e se estimula a mediocridade burocrática. O investidor que aplica no exterior, assume riscos e diversifica, agora se vê penalizado pela sanha arrecadatória de um Estado perdulário.
Não se trata de ideologia, mas de bom senso econômico e jurídico. O princípio da universalidade da renda, ainda que sedutor em teoria, deve ser aplicado com prudência, respeitando tratados internacionais e os limites constitucionais da tributação. E, acima de tudo, deve ser acompanhado por uma verdadeira reforma administrativa, que reduza gastos e aumente a eficiência do Estado.
No fim das contas, a pergunta que fica não é “como tributar melhor?”, mas “como respeitar mais quem produz, empreende e investe?”
A resposta? Está na Constituição. Está no bom senso. E está — ou deveria estar — nos corações daqueles que redigem nossas leis.